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BIBLIOTECA DE EXPERIÊNCIAS

EU E MINHA FAMÍLIA: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia

Lunara Martins Cardoso Silveira 

Professora da Rede Pública Municipal de Uberlândia

EU E MINHA FAMÍLIA: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia.

Lunara Martins Cardoso Silveira 

Professora da Rede Pública Municipal de Uberlândia

 

Introdução 

 

Acerca da importância da ação educativa que instiga o desenvolvimento da autonomia dos/as educandos/as das classes populares, Freire (2015) escreve sobre a dimensão do respeito aos saberes e autonomia do sujeito, mas também discorre sobre o valor do estímulo por parte do/a educador/a para que o/a estudante possa se reconhecer e “assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar” (FREIRE, 2015, p.42). A assunção de sua identidade cultural favorece a percepção do seu papel social.

Nessa perspectiva, tendo em vista a educação para a autonomia, realizamos uma pesquisa em uma escola pública de Educação Infantil em Uberlândia – MG, situada em um bairro cujos moradores são, majoritariamente, oriundos das classes populares, no ano de 2019, orientadas pelas seguintes questões:

Quais são concepções de autonomia presentes no cotidiano de uma escola pública de educação infantil, situada em um bairro periférico de Uberlândia - MG e seus significados para o desenvolvimento da autonomia dos/as educandos/as? O que consta no Projeto Político Pedagógico e no Plano de aula sobre a autonomia do/a educando/a? Qual é a compreensão dos/as educadores/as e pedagogas que atuam na escola sobre a questão da autonomia? Quais são as atividades pedagógicas desenvolvidas e seus vínculos com o desenvolvimento da autonomia do/a educando/a? O que consta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre a educação infantil, a autonomia do/a educando/a e qual é o sentido conferido à autonomia?

Os resultados mais recorrentes mostraram o uso de um conceito restrito de autonomia por parte das professoras participantes da pesquisa, vinculado aos cuidados do corpo (higiene) e dos materiais dos/as educandos/as (cadernos, mochila etc.) e, ainda, a necessidade de continuar a reflexão-ação-reflexão acerca da escuta e valorização das diferentes culturas presentes na história familiar, o reconhecimento do valor das culturas dos/as alunos/as e a importância da inclusão dessas manifestações no currículo escolar para o desenvolvimento da autonomia dos/as estudantes. 

Os resultados da pesquisa evidenciaram, ainda, a importância de se criarem metodologias e material de apoio pedagógico às ações educativas acerca das origens e significados das culturas dos diferentes grupos de educandos/as e saberes de cada comunidade escolar, buscando favorecer a inclusão dessas culturas no currículo escolar. Ações educativas que tenham sentido para os/as estudantes e que possam contribuir para o desenvolvimento da autonomia de cada um/uma. Aqui a autonomia é compreendida como ato de assumir-se como sujeito, ser social e histórico, pensante, comunicante, capaz de pensar e intervir na realidade com a finalidade de transformá-la e fortalecimento de identidades de grupos historicamente submetidos às prescrições dos/as opressores/as. (FREIRE, 2015).

A decisão foi por elaborar material de apoio, expondo o processo de construção desse material e sugestão de uso combinada com incentivo à invenção de novos modos de criar e trabalhar narrativas. Esse material recebeu o título de “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia”.

O referido material teve como objetivos:

 

  1. Geral

Contribuir com a elaboração de ações educativas associadas ao desenvolvimento da autonomia dos/as educandos/as.

 

  1. Específicos

 

  1. Oferecer sugestão acerca de metodologia de trabalho associada ao desenvolvimento da autonomia das crianças e, ainda, fomentar a criação de outras metodologias a partir do acesso ao processo de construção da história e seus personagens, intitulada “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia”.

  2. Incluir a reflexão sobre as ações educativas e o desenvolvimento da autonomia do/a educando/a e a importância da valorização das identidades culturais, para instigá-lo/a assumir-se e reconhecer-se como ser social, histórico, pensante, transformador/a e criador/a.

  3. Representar, por meio de bonecos de tecido, uma das culturas da comunidade escolar narrada pela mãe de um aluno de uma escola pública.

  4. Expor as dificuldades sociais vivenciadas pela família, narradas por uma mãe de aluno, na terra natal e em Uberlândia, bem como os motivos que a levaram à migração. 

  5. Promover o respeito à diversidade cultural dentro da escola.  

  6. Propor uma reflexão acerca das diferenças sociais e culturais das famílias, buscando refletir sobre os motivos da migração e a construção de novas relações sociais marcadas pela luta por igualdade e oportunidade para todos/as.

  7. Disponibilizar material de apoio que pode ser recriado com objetos de fácil acesso, com vistas a provocar ações educativas, vinculadas ao desenvolvimento da autonomia da criança.

  8. Realizar rodas de conversa com as educadoras com a finalidade de apresentar e discutir sobre o processo de desenvolvimento da autonomia dos/as educandos/as, o uso do material “Eu e minha família: história de pessoas que vieram morar em Uberlândia” e a criação de novos materiais.

 

Metodologia de elaboração do Material “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia”

 

A construção do material denominado de “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia” considerou o conhecimento inicial sobre as famílias dos/as estudantes da escola onde foi desenvolvida a pesquisa, ao que se refere ao fato de que a maioria é migrante, ou seja, famílias que deslocaram de cidades localizadas no norte do Brasil e vieram morar em Uberlândia em busca de trabalho. Esse conhecimento foi obtido por meio da escuta das narrativas das crianças. Considerou, ainda, os vínculos entre a valorização da assunção da identidade cultural, para a consciência da cidadania e possibilidade de transformação social e a educação para o desenvolvimento da autonomia do/a educando/a.

Para o desenvolvimento do material, foram contempladas as seguintes etapas:

1. Entrevista semiestruturada com a mãe de uma das crianças da escola onde a pesquisa foi desenvolvida. Essa mãe aceitou o convite da pesquisadora para ser entrevistada. A referida entrevista teve a finalidade de ampliar o conhecimento sobre a experiência da família como migrante, de resgatar memórias, registrar características culturais da terra natal da família e transformar a narrativa, obtida por meio da entrevista, em um material de apoio que abordasse a história de vida e migração dos/as envolvidos/as nas narrativas da mãe. A referida entrevista tratou dos seguintes temas:

  • História de vida da família.

  • Onde moravam, descrição do local.

  • Culturas locais (brincadeiras, comidas, festas).

  • Dificuldades vividas do lugar onde moravam.

  • Motivos da escolha de migração para Uberlândia.

  • Dificuldades encontradas na cidade de Uberlândia.

  • Do que sentem falta da terra natal.

  • O que precisa ser resolvido na terra natal e em Uberlândia.

 

2. A entrevista foi gravada, transcrita e recriada por meio da elaboração da história da família com base na narrativa da mãe, tentando manter o jeito de narrar. 

3. Confecção dos personagens e de cenários da história.

4. Elaboração de uma proposta de trabalho pedagógico com a finalidade de criar novas histórias e estratégias de uso do material de apoio.

 

Dessa forma, partiu-se do conhecimento prévio sobre as famílias e da narrativa da mãe sobre as experiências da família de uma das crianças das turmas das professoras participantes da pesquisa. Em seguida, foram pensadas e organizadas as estratégias para a construção de material de apoio com a participação de uma das famílias migrantes, cuja história possui elementos comuns com outras histórias da comunidade da escola onde a pesquisa foi realizada.

Assim, a partir da escuta e do registro da história de vida da família de uma das crianças foram organizadas as narrativas por episódios temáticos e depois de elaborada a história, confeccionados os cenários e os personagens, bem como escolhidos os nomes de cada um deles.  

 

Proposta de trabalho pedagógico com uso do material de apoio “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia”

 

  1. Roda de conversa com as educadoras. 

  2. Leitura da história com uso dos personagens e cenário. Diálogos sobre a história.

  3. Pesquisa sobre o local de onde migrou a família, as culturas contidas na história elaborada a partir das narrativas escutadas e de outros temas indicados pelas crianças, a partir da escuta e discussão sobre a história de uma família migrante.

  4. Elaboração coletiva de proposições com a finalidade de resolver problemas narrados pelos personagens.

  5. Incentivo ao/à educador/a para escutar e registrar as narrativas das famílias dos/as educando/as. 

  6. Criação de outras formas de trabalhar essas narrativas, tendo em vista o desenvolvimento da autonomia dos/as educandos/as.

  7. Criação de outros materiais de apoio pedagógico, vinculados ao desenvolvimento da autonomia das crianças.

 

Exposição escrita do material de apoio -“Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia”

 

Você quer conhecer a história de uma família que se mudou de São Miguel do Guamá para Uberlândia?

 

Era uma vez, uma moça chamada Juliana e que morava lá na cidade de São Miguel do Guamá. Juliana tinha 4 filhos, o Pedro, a Vitoria, o Vitor, a Ketlen e era casada com o Antônio. Todos moravam em uma casa bem simples de madeira. 

Lá no lugar onde eles moravam, na cidade de São Miguel do Guamá tinha uma praia para eles passearem. A natureza era linda. Lá eles iam para as festas, dançavam Carimbó, quadrilha, comiam peixe frito, açaí, macacá, tacacá e mais um monte de coisas gostosas. Seus filhos junto com as outras crianças e amigos adoravam brincar de Pira-pega, Pira-alta, nadar na praia, queimada e de outras brincadeiras.  

Juliana e seu marido Antônio estavam desempregados e procuraram emprego pela cidade, bateram de porta em porta, em vários estabelecimentos, mas não encontraram. Eles ficaram muito tristes, porque sem o trabalho não teriam dinheiro para comprar comida, roupa, remédio e outras coisas para seus filhos e demais membros da família. Um dia, seu filho mais novo, o Vitor, ficou doente, sentia muita dor de garganta. Chorava muito. 

Juliana ficou preocupada, chamou Antônio e levaram Vitor até o hospital da cidade. Ao chegarem lá, os funcionários do hospital avisaram à mamãe Juliana que não havia médicos para atender o Vitor. Ela e seu marido ficaram muito tristes e voltaram para casa.

Antônio ficou pensando em como poderia melhorar a qualidade de vida de sua família, como poderia conseguir emprego, atendimento médico e alimentação. Foi quando ele teve a ideia de procurar outra cidade para morar e viver. Conversou com sua esposa e decidiram vir para Uberlândia, uma cidade no estado de Minas Gerais bem longe de São Miguel do Guamá, que fica no estado do Pará. Antônio combinou com Juliana que iria primeiro e depois que conseguisse um trabalho chamaria ela e os filhos para virem também. Afinal de contas, todos queriam um lugar melhor para viver. 

Antônio foi para cidade de Uberlândia e ligou para Juliana: Bom dia! Venham você e meus filhos para Uberlândia. Ela ficou muito feliz e logo foi arrumar as malas, pensando que, também, procuraria por emprego, e, assim, a família poderia viver melhor. 

Juliana conversou com sua irmã Clara, que também tinha filhinhos.  Clara tinha 3 filhos. As duas irmãs combinaram de comprar passagem para viajar de ônibus para Uberlândia. Quando elas chegaram à rodoviária, elas perceberam que não tinham dinheiro para comprar passagem para todos, foi quando Juliana teve que deixar seu filho mais velho, o Pedro, com a vovó dele e disse: - volto para buscar o Pedro, logo que conseguir dinheiro para comprar as passagens.

Ela se despediu do seu filho Pedro e da vovó dele, colocou os outros filhos no colo, porque devido à idade de cada um, não pagavam passagens, mas não poderiam ocupar poltronas sentados sozinhos. Pegou suas malas e junto com sua irmã Clara entraram no ônibus, desejando chegar o mais rápido à Uberlândia. A viagem durou três dias. 

Quando as duas irmãs chegaram à cidade, procuraram por Antônio para ficarem todos juntos. Os vizinhos ajudaram e doaram para eles um fogão, pois demoraram a conseguir emprego e não tinham dinheiro para comprar móveis, alimentos e outras coisas. O neném de sua irmã chorava muito de dor de barriga e elas procuravam alguma coisa para ele poder mamar e dormir. Não possuíam leite. Tampouco dinheiro para comprá-lo. O jeito foi misturar água com açúcar e erva cidreira. 

O tempo passou e depois de algum tempo Juliana conseguiu emprego no Shopping de Uberlândia, ela atendia as pessoas em uma loja. A irmã dela foi morar em outra casa. Eram muitas crianças e não cabiam todos dentro de uma casa só. 

Juliana conseguiu escola para seus filhinhos, Vitória, Ketlen e Vitor. Os filhos da Clara também foram para a escola. Elas acharam a cidade de Uberlândia melhor para viver, mas ainda sentem falta da praia, dos amigos, das danças, do Carimbó e das quadrilhas e das comidas e brincadeiras. Quando a Juliana sente muita saudade do seu filho, o Pedro, que ela tanto ama, ela liga para ele. A saudade e o amor são grandes. Eles se falam sempre pelo celular, para matar um pouquinho da saudade e dizer o quanto se amam e do desejo de que Pedro venha morar em Uberlândia. Mas não tem dinheiro para pagar as passagens e outras despesas da viagem.

Juliana acha que Uberlândia pode melhorar quanto à oportunidade de trabalho para as pessoas e ter, por exemplo, mais lugares para ela passear com seus filhos e poder levar o Pedro para conhecer esses lugares, quando ele vier visitar seus irmãos e a família. 

Juliana, sua irmã Clara, seus filhos e Antônio esperam ansiosos para poder rever e abraçar Pedro. Querem ficar juntos novamente. 

 

Fotografias dos personagens e Cenários

Os personagens e cenários da História, “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia” foram construídos utilizando tecidos e informações obtidas por meio de fotos e narrativas da mãe sobre a família de uma das crianças da escola onde a pesquisa foi realizada. Vejamos os personagens e cenários:

 

Fonte: arquivo da pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra a confecção dos personagens representativos dos filhos de Juliana (Pedro, Vitor e Vitoria) e um de seus primos que se mudou com eles para a cidade de Uberlândia. 

 

 

Fonte: arquivo pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra a confecção dos personagens representativos da história, sendo a Juliana, sua irmã Clara com a bebê e uma das filhas de Juliana, a Ketlen. 

 

 

Fonte: arquivo pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra um dos cenários da história. Sendo este a casa para onde a família se mudou em Uberlândia. O cenário buscou retratar o ambiente da cozinha, com geladeira e fogão. Dento da geladeira foram colocadas imagens ilustrativas de comidas típicas da cultura Paraense de onde a família é nativa. 

 

 

Fonte: arquivo pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra uma das personagens segurando no colo a bebê em frente a casa de Uberlândia. 

 

 

Fonte: arquivo pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra a personagem que representa a avó que ficou na cidade de São Miguel do Guamá. 

 

 

Fonte: arquivo pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra o personagem de Antônio. 

 

 

Fonte: arquivo pesquisadora

 

A imagem ao lado ilustra a personagem de Juliana vestida para dançar Carimbó. 

 

Trocando ideias 

 

Caro/a educador/a,

 

Você leu sobre o processo de construção do material de apoio à ação educativa, denominado “Eu e minha família: histórias de pessoas que vieram morar em Uberlândia”. Essa ação é associada ao desenvolvimento da autonomia da criança. Conheceu uma sugestão acerca da possibilidade de trabalho com esse material. Todavia, você educador/a e seus/suas educandos/as podem inventar outras possibilidades e outros materiais com a finalidade de desenvolver autonomia da criança.  Qual é a proposição de vocês?

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Bibliografia sugerida ao/a educador/a para refletir sobre o desenvolvimento da autonomia dos /as educandos/as

 

Livros:

 

ARROYO, M. G. Imagens quebradas. 8. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

 

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra: 50ª ed. Rio de Janeiro, 2015. 

 

GADOTTI, M. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003.

 

BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança. Ilustrações e bordados de Antônia Zulma Diniz, Ângela, Marilu, Martha e Sávia Dumont sobre os desenhos de Demóstenes. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.

 

WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educação popular: metamorfoses e veredas. São Paulo: Cortez, 2010.

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BIBLIOTECA DE EXPERIÊNCIAS

Caderno de reflexões: Avaliação na educação infantil.

Confira a publicação:

https://sga.uniube.br/aulas/ftp/ebook/cdr_avaliacao_na_educacao_infantil/index.html

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